quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


Hoje estive com o meu pai. Vi-o a acariciar os aneis, a olhar ansioso para a minha felicidade e a contar-me, envergonhado, com boca de puto, de mentirinha fácil como é sempre a modéstia, como estava espantado por ter sido, ainda agora, elogiado como o melhor da turma no curso de escrita criativa e poesia que anda a fazer. Dei por mim a esboçar um sorriso envergonhado como se aquela confissão fosse demasiado intíma. Mas não era. Não lhe disse na altura mas quero pedir-lhe agora:  Escreve-me!... Quando deixamos de falar, por razões que conhece o quotidiano nesse homicidio lento e requintado que a rotina pratica sobre todos os amores, escreve-me. Escreve-me... que eu quero escrever-te também e assim podemos reler sempre as palavras boas, ou mesmo as más se as houver, depois de devidamente destiladas na nossa poesia. 
Preciso que me humildes com a tua poesia. Que me lembres que há que querer sempre mais das palavras e da vida. Que me estremeças e que saibas embalar-me logo a seguir. Preciso  querer muito chegar aí onde estás agora mas também que te esforces sempre por já não estares lá. 
Desculpa pedir-te isto. Quero que me faças querer.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009


A gata não fala com a árvore.  Agora está ali a dormir. Aproveitou o meu casaco estendido na cama e aninhou-se para um sono profundo. A gata não desperdiça uma oportunidade para se deitar na nossa roupa. É uma gata de casa e essa roupa vem carregada de cheiros lá de fora. Assim deita-se, a sentir os rumores da rua e a sonhar com uma liberdade que não conhece.
Meu amor... 
Saí de casa cedo, ainda estavam pessoas a transportar os seus restos mortais em direcção ás casas e camas onde haveriam de os depositar ( jorge palma dixit ). Ficaste a dormir com a gata, como a gata. Suave, suave. Sem sonhos complexos onde te aflige sempre o amor a fugir. Afinal eu volto já. Deixei-te o meu calor na cama, arrumei as pranchas e os fatos e saí para o mar, ou só para ir ali e voltar para casa.
Saí da água já o sol prometia glórias ao dia. Vesti-me, deixei ficar o sorriso, pus uma música alto e voltei. 
Nas ruas agora misturavam-se os ocasionais turistas, madrugadores por definição, e uns quantos ansiosos aproveitadores de dias livres, quanto mais cedo começar mais dia livre se tem. A cidade já estava branca mas ainda não ofuscante, como costuma ficar quando o sol está com esta disposição, mas mais alto. 
Já ia chegar a casa com um dia novinho a começar para te oferecer mas nunca fica mal juntar umas flores. 
Quando entrei já deambulavas por ali com os pés descalços, os olhos por abrir e umas saudades...
Quando te dei as flores aquele dia novo a estrear que te trazia acendeu-se todo na tua cara. Assim, em meia manhã fomos felizes por vida e meia.
Hoje morreu a minha avó. Vinha numa auto-estrada qualquer quando me ligou a Isabel do numero do meu pai. Soube ali mesmo antes de ter atendido o telefone. Aliás soube antes. Quando a visitei da ultima vez que a vi. Já não guardava forças para nada a não ser aquele olhar de ternura e uma mão de pele macia que apertou a minha até que percebessemos os dois que diziamos adeus.
Sinto-lhe falta já.
Não chorei ainda.
Invadiu-me uma calma estranha.
Faço um esforço por sintetizar memórias, para lhe reduzir a vida toda ao nosso amor.
-Lembro, mais que tudo a tua meninice. A candura com que olhavas para a vida para que ela me fosse mais suave.
Não é fácil esta gestão da saudade.
Uma vida inteira a preparar-me para isto e agora parece só uma coisa longe.
Ontem foi o funeral da minha avó... Comoveu-me a familia dela. Cheia de gente tão diversa, tão longe de parentescos, vizinhanças, intimidades, obrigações.... Era só um grande clã de ternura. 
Aqui fica então um registo de declarações de amor a todos os que vão alargando e unindo esse grande clã de ternura que é mais que tudo, e de tudo, o que fica.